domingo, fevereiro 25, 2007

“A VIDA É UM MAU GOSTO DA MATÉRIA” – CIORAN – 10/08/2006

I
Acho que devia essa reparação aos que não compreendem meu apego ao ateísmo. Passei os últimos minutos buscando argumentos para provar que Deus pode existir. Acredito que ele não exista, mas não tenho certeza disso. Não sei se pôr fim a essa dúvida é tão fundamental pra minha vida. Sei que ela não faz a mínima diferença pra quem acredita nele. Mas o fato é que passei incontáveis horas da minha vida tentando embasar esta minha crença perante aqueles que acreditam Nele. Ou nela. Talvez o verdadeiro foco da polemica seja qual é a conotação correta, ou mais cabível, do verbo “acreditar”.
II
Faça este teste: encharque um pincel com tinta (a cor ou cores fica a seu critério). Aí fique de pé de frente para uma parede branca e faça um movimento de saque de tênis usando o pincel como raquete. Serão lançados milhões de estilhaços de tinta contra o branco da parede. Agora largue o pincel e imagine (é, Imagine – it´s easy if you try) que você ficou dez vezes menor, e seu corpinho de dimensões reduzidas está flutuando onde antes ficava seu coração. Entendeu? Você é um bonequinho flutuando na altura onde antes estava seu peito.
III
Com um comando mental, aproxime-se da parede. Já que agora você mede 18cm de altura, está flutuando a poucos centímetros dela. Mas da sua atual perspectiva, parece 1 metro e meio de distância. Aproxime-se mais, até conseguir tocar a parede esticando o braço. Olhe ao redor (ou seja, para os lados e também pra cima e pra baixo, já que você está flutuando). A parede está tão salpicada de pontos desordenados de tinta que mais parece uma tela que um pintor jogou ao chão e sacudiu sua paleta de tintas sobre ela. É bizarro, desordenado e estimulante (lembra as telas de John Pollock).
IV
Já li em algum lugar: “Deus é como o espelho. O espelho nunca muda, mas todos que olham para ele enxergam algo diferente”. É fácil fazer disso um argumento a meu favor: a motivação que nos levou a criar Deus foi narcísica. Imagem e semelhança. Mas se somos todos iguais, porque Deus nos parece ter várias faces? E porque elas não podem conviver? Porque elas são, na verdade, nós! “Hezbollah” significa “Partido de Deus”, ou seja, “Partido de nós mesmos e nossa visão única”. Todos os envolvidos nessa chacina sem sentido lá no Oriente deveriam aplicar à política e à religião a mesma visão tolerante, porém criteriosa, que a Leila Diniz aplicava à sua vida sexual: “Eu dou pra todo mundo, mas não dou pra qualquer um”.