quarta-feira, dezembro 28, 2005

DISCIPLINA É LIBERDADE ou MERGULHAR FUNDO

Nunca vi um poço artesiano. Eu acho. Nunca caí num poço, disso tenho certeza. Mas sei exatamente qual é a sensação. Com uma certeza daquelas que não deprime. Esmaga. Pensei nisso porque recentemente aconteceram coisas boas que não se realizaram, e podem nunca se realizar. Isso anula sua bonança. Dias perfeitos que só foram imaginados. A imaginação, por sinal, é o lugar onde um dia mais facilmente pode exercer a petulância de ser perfeito.
“Disciplina é liberdade. Compaixão é fortaleza. Ter bondade é ter coragem”. Tudo isso é um excelente preâmbulo, com seus aparentes paradoxos (Budistas? Taoístas? Preciso ler mais sobre ambos...), mas o mais importante está logo depois: “Ela disse: - lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa”. Tão limpa que chega a atrair. Convidativo como uma piscina. Um poço entupido de cadáveres afogados porque todos querem se purificar no cristalino de suas águas. Fora da letra da música, a pessoa que me inspirou este texto não disse isso literalmente, mas bateu na tecla desse significado várias vezes com outras palavras, que eram também cristalinas.
E eu não quis me afogar. Quis, mas não o suficiente.
Claro que eu sei que o original é uma metáfora. O poço brota da terra, mas o consideramos limpo demais porque não somos merecedores de tamanha dádiva. Aquele presente que surge do ventre de Gaia (poderíamos chamar esse ventre de “encontro casual numa noite qualquer”) não pode ser tocado por nossa podridão humana e mundana (ou não podemos mergulhar profundamente nele porque sobra covardia).
Gaia não esquece de seus filhos. Apesar da recíproca não ser verdadeira. Sempre que o maravilhoso se manifesta no casual, ele o faz com toda a força que tem, tal que nos assusta tanto que fugimos. Contrariados. Mas partimos porque não suportamos mais que alguns minutos junto dele, mergulhados. Nos julgamos não merecedores, subimos ofegantes à superfície da rotina e não olhamos mais para aquele brilho cristalino hipnotizante. Mas não, estou mentindo. Às vezes olhamos de novo.

UM LAÇO DE CORDA E UMA CADEIRA DE 3 PERNAS

Eu queria ter sido pego de surpresa pelo email me convidando pra uma festa-surpresa de aniversário do meu amigo Marco, organizada pela namorada dele, a Luísa. Mas outra amiga já tinha me dito que haveria a festa, acabando com minha surpresa diante dessa manifestação tão pura de fraternidade, e em ultima instância, amor.
Fica bem mais fácil descrever os sentimentos quando se tem um exemplo prático deles. Graças à atitude da Luisa, ficou claro: ser amado é ter alguém em nossa vida que nos organiza festas-surpresa.
Isso se trata de algo muito simples e muito indispensável na vida de todo mundo, e que está faltando na minha, não porque não tenha quem me ame, mas pela circunstância fiscal que atravesso. Ter pouco dinheiro (maldito seja ele e toda sua descendência) dá uma sensação de enforcamento. Mas um enforcamento não inteiramente consumado, o alivio da morte nunca chega: fica-se com a corda no pescoço e um pé apoiado numa cadeira que tem uma perna quebrada. O que fazer? Tentando esticar a perna pra diminuir a pressão da corda na garganta, quase derrubei a cadeira; tentei segurar a corda com as duas mãos e me pendurar, mas senti que a cadeira novamente ameaçava cair. E mesmo que não caísse, o que eu faria depois de pegar a corda?
Eis que surgiu essa atitude da Luisa (Obrigado!) pra me lembrar dos porquês da vida. Não se procura sentido, se cria um. Viver é ter a chance de contribuir. Ou como já disse o ateu Bruce Wayne: “A vida não tem sentido a não ser pelo que trazemos a ela”. E ela retribui trazendo a nós a mesma coisa, senhor Wayne. Não tenho certeza se foi Paul McCartney quem disse “The love that you take is equal to the love that you make”.
Que bom que tenho amigos pra me lembrar que a vida não é só sobrevivência. Nunca é.