segunda-feira, janeiro 23, 2006

Aforismos bem legais do Luis Fernando Verissimo

Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões”

As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas

Ninguém liga se você não sabe dançar, levante e dance

Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa

Nunca tenha medo de tentar algo novo: lembre-se que um amador solitário construiu a Arca de Noé e um grande grupo de profissionais construiu o Titanic

E UM DO MACHADO DE ASSIS: “a morte é séria e nunca admite ironias”

Meu nome é Jesus Cê - Cê de cerveja

Desconstruído está o pedaço de um todo que fui eu. Alquebrado por alquimias novas que não se pode evitar, explicar ou odiar. Alvos sem massa. Balas de borracha. Estou de volta pro meu descarrego, trazendo na alma bastante verdade. Salva-me da certeza, fiadaputa. Senhor é a mãe!
Eu só acreditaria num Deus antropomórfico que soubesse peidar e arrotar. E fosse alérgico à própria autoridade: “Meu, levanta, esse negócio de ajoelhar é coisa do cerimonial, é arcaico pra cacete. Assim, ó: não age como guri de 14 anos conhecendo o pai da namorada que eu não te mato por usar camisinha, falou?”.
Eu ia adorar. “Cara, esquece o Jeová, pode me chamar de Jota Cê. Tô podrão, ainda trabalho nos santíssimos três turnos. Aliás, tem ceva aí?”

INSPIRADO - escrito em dezembro de 2001

Do dicionário Aurélio:
INSPIRADO - Que procede sob o influxo de uma inspiração mística ou poética
MÍSTICA - O estudo das coisas divinas ou espirituais. Sentimento arraigado de devotamento a uma idéia ou causa
POÉTICA - Arte de fazer versos
Talento é uma coisa que se trabalha e se aperfeiçoa, e o gênio é o resultado desse trabalho. Não sou gênio. Tenho talento, e estou aprendendo a construí-lo. Nem sempre acredito em inspiração. Acho que ela é só o combustível do talento.
No caso do meu trabalho, das minhas letras e melodias, parto das minhas insatisfações e dificuldades de compreensão (e aceitação) do mundo e do ser humano. Porque, como diz o filósofo Alfred Pennyworth, “apesar de existirmos no mundo como indivíduos, a raça humana é, espiritualmente, uma entidade única”. Não acredito que alguém fique indiferente ao sofrimento humano. Pode até ignorá-lo, mas isso também demanda uma decisão consciente. Todos são tocáveis e todos acabam tocados mais cedo ou mais tarde.
Aviões colidem com o WTC. Crianças catam lixo nas ruas de Porto Alegre. A vitória do ter sobre o ser. Todas essas coisas me tocam, me motivam - me alimentam e me sugam ao mesmo tempo. E se transformam em crônicas. Mas minhas crônicas têm rimas e métrica. Ser um cronista me impede de transcender meu tempo, meu mundo, minha incompletude, e isso não é necessariamente ruim.
Porque minha inspiração é um desejo de me melhorar através da música. É a isso que sou devotado. É o que há de espiritual em mim, essa sensação instintiva (pois não sei explicá-la) de que estou ligado a todas as pessoas que vivem hoje na Terra e que todos buscamos nosso bem-estar assim como o dos outros. Antes de deixar um legado, é melhor criar uma dúvida: estamos criando, com nossos atos, condições para que o maior número possível de irmãos se realize? Porque somos todos irmãos, do varredor de rua ao dono de banco. É inspirador abrir as fraquezas e convidar os outros a se identificarem com elas ou não.

terça-feira, janeiro 10, 2006

PARALELOS QUE SE CRUZAM

O texto abaixo é de março de 2005. São trechos de um e-mail que mandei pra uma amiga. Ponho aqui como curiosidade.

Estou em busca de um apartamento. Para comprar. Desde novembro passado, já olhei uns 70 imóveis. É foda achar o que quero dentro do que posso pagar. Dois quartos. Prédio antigo com condomínio baixo. Sem elevador nem garagem. Menino Deus, Santana ou Bom Fim. Chega de Duque de Caxias e de gente bem-intencionada, mas entrando sem bater. Quero ter meus próprios vizinhos, quero lavar minha própria louça!
Estou em um relacionamento. Não é namoro nem virá a ser. Ela gostaria que fosse, e se ressente por isso. Eu faço outras coisas, que chamo de impulsos, que ela chamaria de traição. Malditos seres humanos e suas necessidades que não podemos suprir – e não estou dizendo isso me dirigindo a ninguém específico. É só um desejo que tenho, um desejo frustrado, de não magoar ninguém nunca.
Eu tenho milhares de planos, mas sabe como é: só consigo fazer o que QUERO, não o que PRECISO. Mas sei o que fazer pra melhorar: dar tempo ao tempo, que minha força aparece (espero).

TRÊS PARÁGRAFOS FICCIONAIS E TRÊS NÃO-FICCIONAIS

1. Era uma vez Sujeito, um ser de aparência desgastada e espírito magro e inseguro. Ele tinha o mesmo poder especial de seus antepassados: uma fraqueza interna que contrabalançava com sua força exterior. Desse equilíbrio ele criava uma energia única, que abria grandes e pequenos espaços na vida que levava. Essa energia, seu poder, era o EU. Essa força, ele não podia ver ou compreender inteiramente, mas ela estava totalmente sob seu controle, e ele assim cumpriu o destino que fora pavimentado para ele: sofreu. Logo em seguida, fugiu. Esse ciclo se repetiu por mais tempo do que nos é permitido lembrar.
2. Como não era um completo idiota, Sujeito aprendeu com isso e transformou as fugas em suas escravas, ao invés de se deixar escravizar por elas. Por causa disso, demonstra seu orgulho ostentando um grande S de Sujeito no peito. Ele busca hoje ser não apenas o dono, mas o senhorio de si mesmo: um responsável técnico, por assim dizer, do corpo, alma e mente que o destino lhe deu. Essa busca consome sua energia motriz e o faz suar. O EU expele todo tipo de microorganismos através da pele, exceto os paranóicos, que não são arrastados pela corrente sudorípara porque não têm massa. Eles se acumulam no interior de Sujeito e formam grandes úlceras.
3. De tempos em tempos, as úlceras são expelidas. Sempre em momentos de grande emoção, que podem ser frustração ou êxtase, as duas voltagens nas quais a energia do EU se propaga pelo éter físico. Esses momentos são, na verdade, o domínio das fugas por parte de Sujeito. Ilusões ególatras e psicotrópicos funcionam como meios de condução dessas energias, que sempre atingem as pessoas ao redor do EU. Assim é a luta do herói Sujeito para alcançar um grande bem, que representará a redenção da raça humana: a identidade!
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1. Se sou vilão, quero ser lembrado como Darth Vader. Quero me redimir no final do nosso roteiro. Largando as armas e tirando a armadura. Olha, eu queria saber se fiquei mesmo com o papel do vilão. Se vou ser lembrado assim, com um misto de raiva e piedade. Eu meti os pés pelas mãos. Havia algo importante a ser feito, e eu tenho essa sensação de que não fiz o que poderia. Que precisava atingir um padrão impossível, mas talvez alcançável, se eu me esforçasse de verdade. Cumpri meu dever, mas não abracei nenhuma causa nobre. Também não segui meus instintos, e acredito que deveria tê-los seguido.
2. Acredito tanto nisso que chego a suar só de escrever estas linhas. Pode ser o verão. Mas provavelmente é meu ego. Estou tentando pedir desculpas, mas dói. Na alma, dói desde a última vez que te vi, e nos tendões das mãos, dói agora que já passei de cinco linhas. Não consigo mais digitar sem dor. A tendinite finalmente vai se instalar, e eu vou poder mentir de novo e dizer que “é de tanto tocar violão”.
3. Também não quero fazer isso sem saber se estou me desculpando pelos motivos certos. Tem mais uma coisa. Não quero consertar nada sozinho. Quero me transformar em algo merecedor de perdão em vez de ficar falando e falando até te convencer que ainda sou um Jedi.

UM FIM DE ANO MAIS SINCERO

O clima de fim de ano traz muitos hábitos artificiais típicos da época, sempre devidamente estimulados pelos setores descolados da mídia sisuda. O mais esquisito deles me parece a lista de resoluções de ano novo.
Na verdade não é tão esquisito assim: vivemos de acordo com ciclos fictícios, divididos em milênios e séculos, cuja partícula mais infinitesimal é a hora trabalhada (ah, o ritmo do relógio de ponto). Logo, nada mais natural que o fim de um desses ciclos arbitrários nos provocar um sentimento de renovação. E como diria uma professora de teoria jornalística, sentimento é necessariamente pauta!
Então resolvi assumir uma única resolução de ano novo: vou me esforçar em 2006 para perder de vez meu preconceito contra pessoas ricas. Sincero, não? O maravilhoso e transcendental momento do fim de ano gera em mim esta vontade de aceitar, mais e melhor, as pessoas que, por inúmeras razões, inclusive por acaso, fazem parte da elite econômica.
Sucesso e riqueza são coisas das quais se orgulhar, são desejáveis e, mais importante ainda, são aceitáveis para os padrões da sociedadezícula que criamos (“Em sociedade tudo se sabe” – Ibrahim Sued). Parece estranho que aqueles que realizam esses objetivos sejam alvo de preconceito. Mas já que dinheiro é algo que falta demais na vida de tanta gente, não devia sobrar demais na vida de ninguém.

“Ganhe tudo o que puder, poupe tudo o que puder, dê tudo o que puder.” - John Wesley (1703-1791), teólogo metodista inglês

DORIANA E COLGATE

Hoje fui confrontado com dois arautos incontestáveis da falta de dinheiro. O pote de margarina e o tubo de pasta de dente jogaram-me na cara seus pedidos de aposentadoria: “Por favor, envie-nos para o asilo do lixo seco”. Ao mesmo tempo, me permitiram dar vazão ao meu lado sádico, já que foi preciso raspar e apertar, e fazê-lo com dois instrumentos que poderiam muito bem ser usados em verdadeiras sessões de tortura: uma faca e uma escova de dentes.Raspei e apertei para não comer pão puro e não dormir com tártaro (embora eu esteja nele, se carregarmos nas tintas do melodrama ao descrever o meu atual contexto fiscal). Eu podia colocar aqui referências internéticas a técnicas de tortura com lâminas serrilhadas ou diferentes interpretações do conceito de tártaro. Ou ainda descrever minhas idéias sobre como causar dor a um ser humano com uma escova de dente. Poupá-los-ei.Vou me restringir a comentar essa percepção, concentrada e portanto aparentemente nova, que tive do poético que há na alimentação e na higiene pessoal cotidianas, esses rituais universais que nos lembram, assim como nos fazem esquecer, por sua inserção na rotina, o prazer de valorizar as pequenas coisas domésticas, que ocupam um espaço ínfimo no orçamento, mas fazem uma falta imensa quando acabam. Só isso.Mas fiquem tranqüilos, a situação não é tão terrível: no dia seguinte, havia fundos para adquirir outra Doriana e outra Colgate Tripla Ação! Estou bem alimentado e sem medo de sorrir!