domingo, fevereiro 25, 2007

RAZÃO DE SER DESTE BLOG (Parte II) – escrito em 20/02/2007, publicado em 14/01/2008

Domingo. Estou deitada numa rede, estirada entre duas palmeiras. As confusões do mundo não chegam aqui, onde há rosas e grama verde e música suave saindo das janelas da casa. Tenho um copo de bebida gelada – uma mistura do suco das frutas do jardim. É uma fuga da realidade por algumas horas. Nada de telefones nem pessoas. Paz. - Liv Ullmann, em sua biografia “Mutações”, adaptei levemente.

A primeira sensação que tive ao ler isso foi que a fuga que ela descreve é um oásis de solidão feliz em meio à melancolia de estar cercada de gente que quer algo dela. Em seguida, me veio a satisfação de perceber que não há trabalho na cena, não trabalho como produção de bens ou serviços, mas como atividade remunerada, venda da capacidade física e/ou intelectual. A imagem de uma mulher jovem, descansando, ouvindo música (uma criança tocando piano?) e bebendo suco das árvores frutíferas que ela plantou me passou a idéia de ausência de emprego, não por desconsideração, mas por ser algo supérfluo, visto que ela encontra (auto)realização no que a cerca.
A princípio, não há capitalismo em nada do que acontece ali. Mas a palavrinha de abertura, sutil, me puxa de volta à realidade, assim como também a ex-Sra. Bergman. Domingo. Adultos que têm um emprego e crianças que vão à escola, a partir da idade em que essa deixa de ser descoberta e se torna rotina, sabem reconhecê-lo em sua plenitude.
Pra quem não trabalha, os dias são iguais. E é justamente quem não trabalha que mais desesperadamente busca essa coisa chamada diversão, ou entretenimento, ou lazer. Buscam do jeito errado. Se entretém na ânsia de encontrar felicidade. Geralmente são jovens (que seja, adolescentes. Odeio esse termo!) que nasceram há pouco tempo ou há várias décadas e falam como “animadores” de rádio FM, inseguros que são, sempre tentando te convencer da própria alegria ou te ensurdecer – geralmente as duas coisas. E erram porque procuram felicidade no lugar errado e do jeito errado. Felicidade não está num local, ou hábito, pois não preenche espaço, não é como algodão em bolinhas. Não pode ser encontrada, apenas criada.

TRÊS DE FEVEREIRO – escrito em 04/02/2007, publicado em 14/01/2008

A aceitação da dor é diferente pra ateus e crentes. Quando minha tia, irmã mais velha do pai, alçada (por mim, pelo menos) à condição de matriarca espiritual depois da morte de minha vó, disse que rezou uma Ave-Maria pra ele ontem, data do seu aniversário, eu disse com toda a sinceridade: “Que bom!”. Não, eu não quis dizer “que bom que falar sozinha te consola” porque isso eu também faço, só que na maioria das vezes não recito um texto decorado e não uso a voz, só o pensamento.
O que eu quis dizer foi “que bom que encontras nisso um apoio pra tua própria força, assim como eu encontro em outros lugares.”
Se meu pai estivesse vivo, teria completado 65 anos. É muito estranho. Quando alguém morre e tu não estavas lá na hora, passa-se o velório inteiro com vontade de sacudir o cadáver: “- Acorda, perdeu a graça, vambora!”. Afinal, eu não estava lá. Não vi. Portanto, não aconteceu. Em escala microscópica de importância, esse mesmo raciocínio se aplica a questões como “pra onde vai o interior da geladeira quando eu fecho a porta?”.

0800 SALVAÇÃO – escrito em 14/10/2006, publicado em 14/01/2008

A humanidade é muito engraçada, principalmente quando não tenta fazer graça. Trabalhando em telemarketing, ouvi de um sexagenário de Curitiba a seguinte frase: “Eu quero virar um cliente da tua empresa e mandar a SKY pro inferno”.

EU CONFESSO – escrito em 28/09/2006, publicado em 14/01/2008

Sou influenciado demais pelos Estado Unidos. O Tio Sam é a Roma da minha geração (e qual é a minha geração? É a dos mais jovens seres humanos que lembram da vida sem Internet). Com a rede mundial, todo mundo pode ter seu Hakim Bey de estimação e por conseqüência, seu próprio universo de heróis e vilões. Provavelmente personagens de Anime. Desculpem, crianças, eu sou do tempo em que as maravilhas do mundo estavam no Atlas Escolar. Para meus avós, quem fazia o papel de Roma era a França. Para meus pais, era o Milagre Brasileiro. Para meus filhos, provavelmente Roma será a cidade onde ocorrem os crimes do GTA San Andreas.
Eu penso em um mártir e me vem Martin Luther King. Eu penso em um mago supremo e me vem George Lucas (como sabemos, o cinema é a magia da pós-modernidade). Eu penso em um pária e me vem Henry David Thoreau. Eu penso em um oráculo e me vem Mark Twain. Que exemplos brasileiros eu poderia dar? Tiradentes, Getúlio Vargas, Carlos Lamarca, Barão de Itararé?
O problema de comunicação que atrapalha o meu relacionamento com o Brasil está no fato de que eu gosto (demais, reconheço) daquilo que os americanos chamam de “entertainer”, enquanto que o show business nacional é interpretado pela Política. Não tem pão, então capricha no circo!
E a Política (sim, o P tem que ser maiúsculo, e se tu precisas perguntar porquê, não és um cidadão) nos EUA começou como uma idéia genial. Vide a constituição deles. Todos os homens são criados iguais e têm direitos inalienáveis como a liberdade e a busca da felicidade. Depois deu no que deu porque os criadores da idéia eram latifundiários gordos e o pessoal que os sucedeu no trabalho de construir a nação baseada nessa filosofia deixou de perceber a diferença entre Estado e Empresa. Que grande tragédia! Como eu queria que “pobreza” fosse o nome de um antibiótico eficaz contra o vírus do orgulho!
O conceito de entertainer é uma merda. O Faustão é um entertainer: não sabe fazer nada, não canta ou dança ou interpreta, ele é somente um mestre-de-cerimônias. A “função” desempenhada pelo Faustão e similares é razão suficiente pra que eu considere a televisão uma invenção supérflua. Assim como o forno de microondas fornece comida instantânea, a TV é um eletrodoméstico que fornece filmes, desenhos animados e futebol. De resto, tudo que a programação dela se propõe a fazer, o teatro e a literatura fazem melhor.
A única contrapartida aceitável ao entretenimento é ter algo a dizer. O melhor tipo de fascista é aquele que sempre sabe o que está fazendo: a espontaneidade é uma ferramenta de marketing e não uma qualidade pessoal. Melodias, letras, opiniões, certezas, tudo é interessante e consumível, e não poderia ser uma sem ser a outra. Escreve porque tem o que dizer, mas também escreve com a “intuição calculada” de ser interessante, porque, no final das contas, há dois objetivos ao escrever: aprender a escrever e me tornar interessante (sem nunca saber qual dos dois se está priorizando). Todo pedacinho de produção artística pode ser, assim, mais uma Polaroid da peculiaridade do seu autor, que diz: “Leiam-me, ouçam-me, cantem junto, invejem-me! Porque eu sou estranho e ‘diferente’, quase um psicopata, quase um suicida, furioso com a humanidade porque quase sempre falham os meus esforços para ser menos parecido com ela!”.

EU CHOREI DE RAIVA DO LULA DEPOIS DO DEBATE – 22/09/2006

Faça soar um alarme e estaremos lá. É preciso defender a causa da democracia, e os dossiês estão aí para ser plantados e gerar belos frutos de cores quentes e convidativas, enquanto seus interiores estão cheios de suco gástrico esverdeado, um tom de verde entre a inveja e a decadência, uma cor que nasce dos tumores intestinais de mães condenadas.
Tudo isso é transformado em boletins diários e irradiado diretamente nos cérebros da população sentada em casa se empanturrando de achocolatado em pó. Câncer espiritual se espalhando através de cartuchos de informação bombardeados por telas com mira eletrônica. Nós voltamos amanhã, boa noite!

SEX IS A JOKE IN HEAVEN – 22/09/2006

By the age of 30 I had still a doubt or two about sex. I could tell a lot of stories about it, but they were all about me, so I had the feeling people wouldn´t be interested. Despite the significant amount of information I got from pictures, I considered the actual experience in comparison quite overrated. This was a shallow perspective, anyway. Sex is a laughing stock for mankind because it isn´t completely under our control. Or maybe I´m talking about love.

REGURGITANDO A AMARGURA ACUMULADA – 02/09/2006

Regurgitar significa expelir o que há em excesso numa cavidade (geralmente é o estômago). Eu odeio vomitar. E sinto ânsia de vômito cada vez que vejo resto de Nescau no fundo do copo. Regurgitar vem do latim gurgite, que significa abismo. Sair do abismo ou cair no abismo? Sair é nascer e cair é criar asas? Sair é perder algo importante e cair é esquecer de onde estava vindo?
Corações também regurgitam. Podem regurgitar sangue, quando são atravessados por uma bala. Pode ser arte, quando são pouquíssimo adaptados a esta vida (tem dias em que eu me sinto, como diz Clark Kent, um “estranho visitante de outro planeta”). Pode ser dor, quando acabaram de sofrer um tombo feio e o certo, cotidiano, corriqueiro, perene se tornou memórias.
Os relacionamentos estão para o amor assim como a burocracia está para a liberdade. É uma ordenação cartesiana de um instinto primal. A filósofa Jennifer Lopez coloca assim: “A salsa é a expressão vertical de um desejo horizontal”. Hein?
Toda elocubração sobre o tema se torna apenas exibicionismo intelectualóide quando eu me encontro diante de um coração capaz de enxergar os próprios hematomas. E fazer das muletas uma alavanca. Parece que sempre tem alguém entre minhas pessoas amadas que está assim, e na hora é lindo de ver. Inspirador até, ou inspira dor?
Só pra esclarecer: estávamos em um bar da moda, junto à pista de dança, conversando sobre algo fútil, quando entra o assunto relacionamento-recentemente-mal-acabado e ela chora. De soluçar no meu ombro. E põe no ar a frase da noite: “Ah, quanto tempo eu passei afastada de mim mesma!”.
HÁ UM SENTIDO ESPECIAL na esperteza dela: é antes um instinto do que um talento. É inato, pertence às áreas escuras da floresta de sua mente. Como nas histórias de Homero, sua travessia não é apenas um desafio, mas a própria recompensa. A oportunidade substituindo o resultado. A jornada importando mais que o destino.
DE TUDO AO TEU AMOR SEJAS ATENTA, pois ele é biodegradável, para garantir a renovação do teu interesse. Senão vira notícia velha. Só nesse sentido, quando olha para seus limites, o amor é egoísta, quer ter seu espaço devidamente demarcado, reconhecido e preservado. Se ele fosse um pedaço de terra, seria um acampamento do MST. Como é sentimento, inspira cuidados como passos leves e respiração curta. Devagar, como se estivesses atravessando o apartamento no meio da madrugada só de meias, e sem fôlego como se estivesses diante da Mona Lisa no Louvre. Não, não pode tirar foto. Exercite a posteridade interior.
NÃO SE ENTRETENHA, SE OCUPE. ABRACE a situação, não construa molde. A rotina e a previsibilidade não servem pra abrir trilhas, só funcionam em vidas pré-fabricadas. Partilhe seus segredos, mas não pare de usar camisinha.

QUANTO LHE DEVO? – 26/08/2006

Lembro de uma crônica do Luis Fernando Veríssimo chamada “Diálogo Norte-Sul” em que o Norte era um homem com trajes de executivo e mentalidade de gigolô, enquanto que o Sul era uma moça “pobre, porém honrada”, mas já de saco cheio da própria virtude, que não a deixava ter a mesma prosperidade de seu amigo Norte.
Ela pede um cigarro, ele dá e acende. E ela pergunta, cantando a melodia de “Guantanamera”: “Cuan-to-le-devo? – Pa-ri-pa-Cuan-to-le-devo?”. Claro que no final ela cede ao executivo-canalha e dá pra ele. Não é esse meu ponto. De tempos em tempos, o versinho do cuanto-le-devo toca na minha cabeça, porque será?
Tenho vontade de samplear o instrumental da Guantanamera e fazer uma letra bem ‘social e engajada’, tipo:
Quanto lhe devo?
Qual é a nota primeira?
Quanto lhe devo
Por essa vida inteira?
Eu tenho tudo que quero
E não consigo parar
Eu produzi homens livres
Para fazer salsicha em lata
Eu só me sinto seguro
Num pedestal numa praça
Já me chamaram de tudo
Eu sou o ouro e sou a cachaça
Quanto lhe devo?

Melhor deixar pra lá. Vai que agrada e depois tenho que manter o nível. Não teria como suprir a demanda.

“A VIDA É UM MAU GOSTO DA MATÉRIA” – CIORAN – 10/08/2006

I
Acho que devia essa reparação aos que não compreendem meu apego ao ateísmo. Passei os últimos minutos buscando argumentos para provar que Deus pode existir. Acredito que ele não exista, mas não tenho certeza disso. Não sei se pôr fim a essa dúvida é tão fundamental pra minha vida. Sei que ela não faz a mínima diferença pra quem acredita nele. Mas o fato é que passei incontáveis horas da minha vida tentando embasar esta minha crença perante aqueles que acreditam Nele. Ou nela. Talvez o verdadeiro foco da polemica seja qual é a conotação correta, ou mais cabível, do verbo “acreditar”.
II
Faça este teste: encharque um pincel com tinta (a cor ou cores fica a seu critério). Aí fique de pé de frente para uma parede branca e faça um movimento de saque de tênis usando o pincel como raquete. Serão lançados milhões de estilhaços de tinta contra o branco da parede. Agora largue o pincel e imagine (é, Imagine – it´s easy if you try) que você ficou dez vezes menor, e seu corpinho de dimensões reduzidas está flutuando onde antes ficava seu coração. Entendeu? Você é um bonequinho flutuando na altura onde antes estava seu peito.
III
Com um comando mental, aproxime-se da parede. Já que agora você mede 18cm de altura, está flutuando a poucos centímetros dela. Mas da sua atual perspectiva, parece 1 metro e meio de distância. Aproxime-se mais, até conseguir tocar a parede esticando o braço. Olhe ao redor (ou seja, para os lados e também pra cima e pra baixo, já que você está flutuando). A parede está tão salpicada de pontos desordenados de tinta que mais parece uma tela que um pintor jogou ao chão e sacudiu sua paleta de tintas sobre ela. É bizarro, desordenado e estimulante (lembra as telas de John Pollock).
IV
Já li em algum lugar: “Deus é como o espelho. O espelho nunca muda, mas todos que olham para ele enxergam algo diferente”. É fácil fazer disso um argumento a meu favor: a motivação que nos levou a criar Deus foi narcísica. Imagem e semelhança. Mas se somos todos iguais, porque Deus nos parece ter várias faces? E porque elas não podem conviver? Porque elas são, na verdade, nós! “Hezbollah” significa “Partido de Deus”, ou seja, “Partido de nós mesmos e nossa visão única”. Todos os envolvidos nessa chacina sem sentido lá no Oriente deveriam aplicar à política e à religião a mesma visão tolerante, porém criteriosa, que a Leila Diniz aplicava à sua vida sexual: “Eu dou pra todo mundo, mas não dou pra qualquer um”.

PADRÃO DAS PEDRAS – 02/06/2006

Renda-se ao padrão das pedras. Existe um padrão em todo movimento de desestruturação, principalmente naqueles que se realizam sem a ajuda humana. Renda-se aos ondulantes coloridos que impedem os neuróticos de caminhar sem pisar sobre o preto e o branco ao mesmo tempo. Seja cinza, não aceite uma regra sem antes verificar se foi você mesmo que a pôs ali. Porque ela provavelmente já estava ali, mesmo antes de ser obedecida. A pior parte da inevitabilidade é não saber de onde ela veio. A melhor também.
Sabedoria é a capacidade de enxergar duas receitas possíveis com o ingrediente filosofia: inquietação ou neurolinguística. Confúcio estava provavelmente certo quando disse que "o plantio é opcional, a colheita é obrigatória". Mas e se fosse ao contrário? O plantio é obrigatório, a colheita é opcional. Extremamente não-capitalista, não pragmático, não-vai-bater-a-meta! Dizem que tudo em excesso faz mal, então à luz dessa inversão eu pergunto: abnegação também?
Mas se ficar matutando demais tudo isso, não dou meia hora pra chegar a questionamentos importantíssimos tipo "como é que o Batman sempre acha um lugar aonde prender a batcorda?". E vai ser um artigo acadêmico completo, com informações extremamente relevantes como o fato da teia do Homem-Aranha ter uma resistência à tração de quarenta quilos por centímetro quadrado. Anotaram? Resumindo: trabalhe pra viver, mas não viva pra trabalhar, rapá!
E só pra esclarecer: Confúcio não estava errado. Ele também disse que "o sábio começa por fazer o que quer ensinar; depois ele ensina". Seja obsessivo na busca do seu sustento. Respeite o valor do trabalho braçal. E cuide da sua mente como se fosse um martelo de ferreiro, porque é exatamente isso que ela é; a ferradura é o mundo.