domingo, outubro 23, 2005

SOU SOCIALISTA

Não gosto de dinheiro. Não gosto de ter que fazer as coisas só para obtê-lo. Nunca gostei de shopping centers. Kurt Cobain disse em 1992: “Passei tanto tempo durango que hoje entro numa loja e não tenho vontade de comprar nada”. Materialismo, antes de histórico ou dialético, é um defeito. Nunca aceitei esse negócio de juros. Se vamos estabelecer uma convenção monetária para valorar o trabalho, vamos estabelecer um valor numérico de face que seja único e inalterável, certo? Só o trabalho gera riqueza. Mas não é assim que o mundo funciona. Se eu achasse que dá pra mudar isso em menos de 80, 90 anos (que é o quanto quero e espero viver) eu me filiava ao PSTU. Mas não dá, essa mudança não depende de nenhum coletivismo. Depende sim do coletivo, mas a tomada de consciência tem que ser de cada um. Por causa dessa visão de mundo é que eu digo que não ME TORNEI socialista, eu NASCI socialista.
Por isso, não sou socialista porque quis. Nasci assim. Já era socialista desde uma idade em que, se visse uma foto de Marx, ia achar que era Papai Noel. Nem sabia que existia a palavra socialismo ou qualquer outro “ismo” classificatório e inibidor do raciocínio individual. E raciocínio coletivo é piada.
Na Idade Média, servo casava e a primeira noite com a noiva era do senhor feudal, prática avalizada pelo Alto Clero. Mesmo sabendo disso, quantos padres de vila não realizavam casamentos clandestinos para poupar a gleba dessa violência? Era legal, mas absolutamente imoral. A escravização capitalista moderna é a mesma coisa. Legal, mas imoral. E onde anda a desobediência virtuosa a essa ordem? É mais complicado. “Somos escravos bem pagos”, sintetizou Frank Miller em “O Cavaleiro das Trevas 2”, um decepcionante gibi do Batman. “Vocês são mais livres do que nunca, para fazer o que quiserem, desde que possam pagar”, contextualiza Greg Graffin em uma letra do Bad Religion.

quarta-feira, outubro 19, 2005

PERFEIÇÃO

“Um Gulag é um trabalho sempre em progresso, nunca concluído. Prisioneiros são seres insatisfeitos por natureza”. Palavras do Super-Homem, num gibi de realidade alternativa onde ele se torna ditador mundial e a resistência é liderada por um humano misterioso que se veste de morcego.
Assim como o autor desse gibi, eu quero achar soluções em lugares e tempos alternativos. Pra variar bastante, minha preferência atual recai sobre o aqui e agora. Tenho observado meus primos e primas envolvidos em seus cursos universitários, o que para alguns significa também Diretório Acadêmico e comissão do trote. Esses termos que terminam em “ório” e “ão” têm uma aura tão Revolução Francesa que não pude evitar: transferi meus debates mentais anarquistas solitários para as conversas que tenho com eles sobre Universidade, política, partidos e eleições, futuro, certo e errado, sim ou não para o comércio de armas de fogo e munições, sonhos e temores, kryptonianos e terráqueos.
Baseado na minha compreensão acumulada do gênero humano (compreensão que mal começa a deixar o status de pequena), diria que adolescentes são tão agitados (e nos casos específicos em que estou me baseando, idealistas e desiludidos) porque vivenciam muito rapidamente a passagem do tempo: acham que ele é curto e fugaz porque ainda não apreenderam o conceito de posteridade, o que seria pedir demais de quem tem menos de 20 anos de vida e acha todos os seus parentes “velhos”.
E não aprenderam a se erguer de uma desilusão porque ainda não compreenderam como funciona a história. Aqui no seu sentido mais amplo – História. E com a desilusão surge no horizonte a desistência. Querem largar, deixar o mal vencer por WO.
O que digo a eles, baseado naquela mesma pequena compreensão, é que a solução pra não desistir, quando parece que tudo é inútil, é abraçar a visão zen de que a jornada é tão importante quanto o destino; e, na ausência deste último, torna-se mais importante que o próprio. Parece um abandono do pragmatismo: “O que fazer da vida? Viver para contá-la?”, perguntarão com desdém os bixos do curso de Administração de Empresas. Viver para vivê-la, vê-la como uma sucessão de meios e não de fins. Falando nisso, porque diabos esses imbecis no Congresso precisam de tanto dinheiro? Acham que vão viver 500 anos pra conseguir gastar tudo aquilo? É o que eles me perguntam.
Digo também que o trabalho de “consertar as coisas” é como os gulags do Super-Homem. Uma eterna progressão de insatisfeitos. Estamos frustrados, ás vezes furiosos, mas eu sempre concordei com Zack De La Rocha, que diz que “a raiva é uma dádiva”, porque seguimos uma estrada em eterna construção, colocando os pedágios das nossas escolhas e as placas de sinalização dos nossos medos. Dê a preferência - Ditadura? Ultrapasse sempre pela esquerda - alusão implícita ao progresso?
Quando a esperança está dispersa / Só a verdade me liberta / Chega de maldade e ilusão. A gurizada ouve isso e fica pensando porque o mundo dos sonhos do Renato Russo não existe. Perfeição não existe, já dizia minha mãe, que tinha excelente coração, mas era excessivamente pragmática na hora de votar. Como quase todo mundo que conheço.

quarta-feira, outubro 05, 2005

Significado dos nomes

Uma amiga me mandou essas definições de nomes, tiradas do site mulhervirtual.com.br, cuja URL me fez pensar primeiro que se tratava de um site de compras onde o internauta podia montar sua boneca inflável customizada. Não me alongarei nesse tópico. Prefiro dividir minha EXASPERAÇÃO com a fidelidade das definições. Enxerguei meus pais perfeitamente.

Sílvia: Da floresta, da selva. Revela paixão pela vida e a vontade de assumir tudo o que contribua para aumentar a felicidade humana.

Deveras. Ela adorava mato. Mas não pra fazer trilha. Mato aparado e cercando a casa, como um cenário de novela caipira da Globo. Chegou a tirar fotos da samambaia da sala quando esta cresceu além do esperado. E conversava com a planta mais do que comigo. Não posso culpá-la: eu tinha 16 anos na época, ou seja, a planta era melhor ouvinte! Quanto ao resto da definição, quem conviveu sabe.

Geraldo: O que domina com a lança. Indica uma pessoa capaz de enfrentar qualquer desafio. Raramente desiste de lutar por um objetivo: vai em frente mesmo quando tem poucas chances de sucesso.

O doutor parecia calminho mas tinha lá suas obstinações, sim. Via a medicina como uma batalha eterna e impossível de vencer, afinal o doente sempre morre. Não sei como via a si mesmo nesse aspecto. Claro que tinha dias de desânimo. Quem não tem?

Eduardo: Guarda das riquezas. Indica uma pessoa talentosa e dinâmica, que se realiza em trabalhos que a estimulem a pensar, pesquisar e aprender mais. Quem tem esse nome é também muito comunicativo.

Esse papo de guarda é engraçado. Os números dos telefones só diferiam em UM dos oito algarismos, portanto atendi milhares de telefonemas lá pra casa - a casa antiga, de gente querendo falar com a RUDDER SEGURANÇA! (sacaram? hein? hein?). Pelo menos para os distraídos que não sabem anotar um telefone, sou guarda há muito tempo.
Pensar, às vezes parece que é só o que eu faço. Pena que do pensamento à ação seja como daqui até a lua. Claro que morar sozinho torna mais complicado exercer a parte da comunicabilidade.

Mas descobri que é possível gostar de falar sozinho. Já disse Jack Lemmon: "Crie hábitos com os quais esteja disposto a lidar, porque mais cedo ou mais tarde você será o único que terá para encher o saco".

sábado, outubro 01, 2005

Faz alguns dias que tenho lembrado da sensação que me tomava nos últimos minutos do último período da aula de sexta-feira. Primeiro grau, logo, fim da tarde. Todos os alunos ficavam com suas mochilas sobre a classe, todo o material já guardado, sentados de lado na cadeira, só esperando a sineta pra sair correndo em direção à porta da sala. Quando finalmente ela soava, corríamos não como cavalos de turfe, mas como cachorros de caça. O portão do colégio era a raposa. Era mais que pressa, era pior que agonia, era como se acreditásssemos de fato que a direção da escola fosse sair ainda mais depressa que os alunos e trancar as portas atrás de si. Presos no colégio por todo o fim de semana, já pensou?

Eu era uma patologia mais profunda. Tinha medo que minha mãe visse os professores saindo antes de mim e pensasse que eu já tinha ido pra casa, afinal se até os professores já estavam na rua, os alunos saíram há muito tempo! E eu ficava asusstado e furioso ao mesmo tempo. Que cara-de-pau ela era pra me largar aqui! Que falta de consideração! Ela não me amava mais? Nem daria pela minha falta até me mandar pra aula na segunda. Surpresa, já estou aqui esperando a professora!

Claro que eu não era o único com delírios. Anos depois fiquei sabendo disso, que toda criança tem medo principalmente de perder os pais. Mas antes de saber disso ficava estranhando o fato de ficar bravo com eles por algo que eles poderiam fazer mas muito provavelmente nunca fariam - partir por vontade própria. E daí? Daí que, incluindo eles, nunca conheci ninguém que tenha morrido sem um pouquinho de má vontade que fosse. Diante do inevitável, uma atitude que pode ser resumida na expressão "mas já?"

Já nasci com uma paleta de cores no coração. Toda borrada. Vermelho de raiva, verde de inveja, azul de fome, e sempre um pouco de branco de medo, pra diluir os tons e não deixar nenhuma cor predominar.

Existe raiva, medo e dor quando se fala de amor, diz uma letra da Anahata, excelente banda de POA que pouca gente conhece.