quarta-feira, março 15, 2006

ACHO QUE A VAIDADE SE SENTA EM IDIOTAS

E faz barulho de almofada de peido. E porque o Word sublinha a palavra peido? E porque o Word põe essa maiúscula assim, automaticamente, na palavra Word, depois que dou espaço? Digitei Bill Gates e aconteceu a mesma coisa, espaço e maiúscula automática. Não se deve confiar em Estadunidenses por causa de suas duas maiúsculas automáticas: nas palavras Eu e Deus, que eles grafam “I” (pronuncie “ai”) e “God” (Não pronuncie. Vai que ele responde!).
Voltando: idiotas são esmagados pelas nádegas da vaidade, cheias de varizes e crateras. São nojentas e admiráveis, como quase tudo que é célebre em nosso mundinho. Meu problema com isso é que eu não preciso de presentes, eu preciso de gestos. Quero muito aceitar o fato de que o principal dilema de Dom Quixote não seria por onde começar, mas sim porque começar. E o pior é que às vezes consigo aceitar. Mas tamanha humildade é como uma esponja encharcada, não segura a água. O ego vaza pelos poros e eu retomo minha resolução idealista como um general montado em seu cavalo na estátua que o homenageia.
E enquanto eu critico os idiotas por seu excesso de insegurança e ciúme, que pode ser resumido na palavra egoísmo, estou fugindo da minha responsabilidade de pegar o telefone e ligar pra quem merece explicações. Também sei peidar de salto alto.

MACHO DE VERDADE SE APOSENTA EM PELOTAS


Essa semana eu conheci uma moça de Bagé. Não é a primeira pessoa da região da Campanha que tive o prazer de conhecer, mas é a primeira com menos de 40 anos, o que me animou a direcionar a conversa pros hábitos arraigados daquela região, pra ver se havia algum choque de valores entre as gerações, algo que nós gaúchos não sabemos fazer muito bem. Nem como provocadores nem como provocados.
Não levou cinco minutos pra mencionarmos, não lembro se eu ou ela, a expressão “ponta de faca”. Gente séria, os gaúchos! Preservam o belicismo e a animosidade dos tempos do Castilhismo e cultivam cada vez mais um verniz de civilidade através da modernização (?) chamada “Tradicionalismo”. Ela falava com uma visão exterior a essa coisa toda. Acho que não havia conexão mais profunda com o que parece pra ela “uma coisa lá dos meus pais”. E ficamos nisso.
No dia seguinte ganhei dum amigo a Revista Aplauso nº 71, com o Renato Canini na capa. Esse cartunista gaúcho desenhou os gibis do Zé Carioca nos anos 70. Em parceria com o roteirista Ivan Saidenberg, Canini tirou o papagaio daquela roupa de malandro de 1920 (gravata borboleta e chapéu, onde estamos?), jogando-o de camiseta num barraco no morro. A Vila Xurupita, que parecia bairro de subúrbio, virou favela. E o humor ficou mais adulto, quase cafajeste, mas sem perder a boa índole fundamental. Ou seja, o Zé virou um legítimo Disney brasileiro.
E como essas duas coisas se relacionam? É que eu lembrei duma história clássica do Canini (não sei o quanto desse roteiro é dele) em que o Zé recebe um telegrama de seu primo gaúcho, o Zé Pampeiro, pedindo ajuda numa “peleja” (assim em castelhano, com J mesmo) contra outro grupo de peões. Ele vem ao RS, onde cospe chimarrão na cara dum peão (porque não sabia que estava quente) e se enrosca sozinho ao tentar lançar uma boleadeira. A certa altura, Zé Pampeiro explica que a peleja é por um campo de estância. O grupo que vencer fica com toda a área pra criar seu gado. Aí o Zé Carioca pergunta ao primo gaúcho porque os dois grupos não medem o campo e dividem ao meio. Zé Pampeiro responde perplexo: “Mas primo, aí não tem peleja!”.
Segundo a Aplauso, Saidenberg é carioca. Essa chinelada na índole campeira, pra mim, tinha que ser idéia do Canini, que continua não perdendo a piada: ele hoje mora em Pelotas e disse na entrevista que seu banheiro “é rosa, como todos na cidade”.

A JUSTIÇA INVENTADA PELO HOMEM ENXERGA MUITO BEM

“A existência é aleatória. Sem padrão a não ser o que imaginamos depois de contemplar tudo por muito tempo. Sem sentido a não ser o que escolhemos impor. O mundo desgovernado não é moldado por vastas forças metafísicas. Não é Deus quem mata as crianças. Não é o acaso que as trucida nem é o destino que as dá de comer os cães. Somos nós. Só nós.” - Walter Joseph Kovacs, 1985

Fatos não têm moral: eles simplesmente são. Quando são imbuídos de moral, passam a ser história. Se os aprovamos, chamamos de conquistas. Se os reprovamos, consideramos tragédias. Mas é preciso vivenciar para reconhecê-los de verdade e ser reconhecido por eles. Para ser lembrado pelo abismo quando ele te vir de novo. Ler, ouvir, testemunhar, ter qualquer contato menos profundo que a experiência é apenas entender cartesianamente. Não é apreender nem compreender.

JÁ QUE NINGUÉM ME PERGUNTOU MESMO....

Eu nunca odiei os Rolling Stones. Ódio é algo próximo demais do amor. Como sei que nunca amei os Stones, isso tira minha dúvida: ódio? Não, jamais.
Mas na ausência do ódio, sobra espaço pra o desprezo. Ouvi, já vão uns anos, alguns discos deles na integra. Sei que eram mais de cinco e menos de dez. Alguns dos anos 60, outros dos anos 80. Achei todos chatos. Aí fui ler as letras. Tá, tem alguns bons momentos (Sympathy For The Devil, Paint It Black, Satisfaction). Mas também tem uma enxurrada de metáforas sexuais simplórias e crônicas sobre o nada que estragam o quadro geral.
Quando vi um show deles em vídeo, piorou! Cinqüentões rebolando? Calças de couro? Lenços enrolados na cintura e na testa? Lembro dum superdemônio do mal nos gibis da Liga da Justiça que em certa ocasião descreveu os super-heróis como “drag queens da lei”. Os Stones reciclaram (mal) esse conceito no rock. São considerados provocadores nesse desbunde, mas provavelmente só estavam imitando, com menos espontaneidade, os New York Dolls. Falando em primórdios do punk, outra coisa: as caras e bocas do John Lydon têm alguma coisa de inspiradoras e irreverentes, e as caras e bocas do Mick Jagger são algo entre o patético e o risível.
John diz: “Ever got the feeling you´re being cheated?”. Mick retruca, mentindo: “I can´t get no Sati$faction”. Ambos ficam devendo uma nesguinha que seja de seus verdadeiros interiores. Mas pelo menos Lydon assume o que é. E nos avisa aos brados. Se mesmo assim queremos ser ovelhas, não é culpa dele.